Reitoria volta atrás na privatização do estacionamento da FURB por enquanto. Edital que era para ter sido lançado em agosto está em fase de discussão. Comunidade acadêmica clama por estímulo ao uso da bike e FURB estuda interligação de todos os campi
Depois de anunciar a privatização do estacionamento da FURB, a reitoria voltou atrás. O vice-reitor Udo Schroeder afirmou em agosto que o edital não foi lançado e não há garantias de que será este ano. A mudança do tom não diminui no entanto a preocupação da comunidade acadêmica quanto ao futuro do espaço. Há uma unanimidade em meio à polêmica: a universidade precisa estimular o uso da bicicleta entre alunos e funcionários. No espaço de uma vaga para carro cabem de sete a 10 bikes estacionadas. Por isso, este é considerado um uso mais racional do espaço urbano.

Desde que Francielle Schmitz passou a utilizar a bicicleta como meio de transporte, há três anos, testemunhou um novo movimento na cidade. O ápice foi no primeiro semestre deste ano, quando a aluna do curso de Química da FURB chegou com a magrela para mais uma aula e não encontrou vagas no bicicletário do pátio central do campus 1. O jeito foi deixar a bike num poste próximo. Foi a primeira vez que viu algo parecido na universidade. “Eu fiquei feliz. Existe um certo solidarismo entre os usuários da bicicleta. Eles são mais abertos à socialização, contribuem para uma cidade mais humanizada”, comenta.
A estudante, no entanto, acredita que a FURB poderia avançar no sentido de promover o uso da bicicleta entre alunos e funcionários. “O carro ainda é visto como status. Aqui na FURB também é assim. Faltam espaços de convivência. O estacionamento para carros tem prioridade. Como uma universidade voltada para pessoas e para o futuro pode permanecer neste modelo ultrapassado?”, questiona.
Numa rápida consulta de campo, identificamos 66 vagas de paraciclos no campus 1 da universidade. A maioria delas está no pátio central, próximo à biblioteca, onde ficam 35 vagas (11 em pedra e 24 em estrutura metálica). Há nove vagas também ao lado da cantina, no bloco I, oito ao lado do bloco R e quatro próximas à piscina. A FURB estuda a possibilidade de interligação dos campi universitários afim de garantir a mobilidade de forma sustentável.
São 76 quilômetros de ciclovias e ciclofaixas nas ruas de Blumenau, de acordo com a Secretaria de Planejamento (veja quadro nas duas próximas páginas). A prefeitura anunciou a implantação de 36 novos quilômetros no sistema cicloviário, incluindo ciclovias, ciclofaixas e passeio compartilhado. A obra está prevista num programa dividido em cinco lotes. O primeiro lote já foi aprovado e entrará no processo de execução nos próximos 15 dias com uma estimativa de 9 km nas seguintes ruas: Gustavo Zimmermann, Jacob Ineichen, Frederico Voelz, Guilherme Scharf e Ari Barroso, todas no Bairro Itoupava Seca. A perspectiva de término de execução do novo sistema ciclístico em Blumenau é de dois a três anos.
“O argumento mais ouvido para justificar a ausência de ciclovia é a falta de dinheiro. Mas a gente vê um investimento muito maior voltado para os veículos motorizados, é desproporcional”, argumenta o presidente da ONG Associação Blumenauense Pró-Ciclovias, Giovani Rafael Seibel, que começou a utilizar a bike como meio de transporte quando cursava Biologia na FURB, em 2002.
Moradora da Itoupava Norte, Francielle acostumou-se ao uso da bike. Adquiriu até uma capa para não deixar a companheira nem nos dias chuvosos. A distância da casa dela, na Itoupava Norte, até a universidade só é impedimento para a mãe, que acha uma “loucura” a pedalada diária.
O servidor da FURB, Gabriel Augusto Anibelli, 21, pas- sou a utilizar a bicicleta para se locomover até o trabalho. Ele questiona a possibilidade de privatização do estacionamento. Acredita que a FURB poderia adotar um sistema de controle, em que o usuário recebe um cartão na entrada e o devolve na saída, mas sem gerar receita-extra.
“Se o objetivo é aumentar a segurança, o modelo adotado no estacionamento para os servidores hoje poderia ser estendido para os alunos, sem criar novas despesas a eles, que já pagam uma mensalidade alta”, acredita.
A terceirização no estacionamento é sugerida pela Coordenadoria de Planejamento (Coplan), órgão criado em 2013 na FURB, com a intenção de pensar a universidade como um todo. A Coplan, através das arquitetas Ariana Brandt Knop, Keila Peixer e Carla Cintia Back, recebeu o Expressão Universitária para explicar as mudanças. A Coplan argumenta que o sistema de estacionamento pago já é utilizado em outras universidades da região, a exemplo da Univali, com sede em Itajaí, e Univille, em Joinville. O Expressão Universitária apurou que quem controla o estacionamento na Univali e Univille é a Estapar. A universidade em Joinville paga pelo serviço prestado, por isso não há cobrança de alunos e funcionários. Além disso, a empresa divide com a universidade a arrecadação com os valores arrecadados com os que efetivamente pagam. Na Univali, funcionários pagam um valor semestral de R$ 70,00 pelo uso do estacionamento e dos alunos é cobrado uma tarifa de R$ 2,85 por entrada no espaço. A comunidade externa paga um valor superior a R$ 7,00.
A privatização do estacionamento da FURB, segundo a Coplan, faz parte de um projeto maior que prevê a interligação entre os campi da FURB e a proposta de humanização do ambiente institucional, com a criação do Distrito Universitário. Hoje a universidade é tomada por áreas de circulação. As únicas áreas de convivência são em frente à biblioteca A professora do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da FURB, Carla Cintia Back, defende o sistema: “Vai trazer benefícios imediatos, como as novas vagas de paraciclos”.
ABC DEVE GANHAR SEDE NA UNIVERSIDADE

Os benefícios da bicicleta vão além da diminuição do trânsito. Não poluir o ambiente e cuidar da saúde também estão na lista das vantagens oferecidas pelo uso contínuo da bike. De acordo com o guia Bicicleta na Mídia, desenvolvido pela ONG Rodas da Paz e divulgado nacionalmente no último mês, a bicicleta tem emissão zero de poluentes, enquanto o deslocamento individual de carro emite 126 g de CO2 por km.
Em Blumenau, a Associação Blumenauense Pró-Ciclovias (ABC) busca diminuir os obstáculos que atrapalham a prática na cidade. À frente da entidade desde 2013, Giovani Rafael Seibel lembra que a entidade busca uma aproximação com a universidade desde a posse do reitor João Natel.
As reuniões da entidade hoje acontecem na terceira quarta-feira de cada mês no galpão de Arquitetura da FURB, sempre abertas a toda a comunidade. “Num primeiro momento, nós buscamos um espaço físico para a ABC na FURB, mas depois pretendemos incluir a discussão sobre a bicicleta na universi- dade”, conta Seibel.
Seibel é integrante do Conselho de Planejamento, liga- do à Secretaria de Planejamento de Blumenau e da Frente Parlamentar de Mobilidade Urbana. Também é membro do Conselho Fiscal da União dos Ciclistas do Brasil. A ABC foi fundada em 1997 com a intenção de garantir segurança e estrutura adequada para os usuários da bicicleta na cidade.
“A relação da universidade com a comunidade é uma das razões para ela ter sido criada. Esta relação precisa ser diária, com a ABC na FURB vamos avançar nesse sentido”, considera o professor de Arquitetura da FURB João Francisco Noll, que utiliza a bicicleta para os 12 quilômetros que percorre diariamente, nas idas e vindas do trabalho e define como falta de vontade política a questão da bicicleta na cidade.
O USO DA BICICLETA COMO RESOLUÇÃO

Foi a resolução do ano novo para a professora de Marketing da FURB, Josiane Fernandes: passar a usar a bicicleta como meio de transporte com mais frequência. Deu tão certo que ela chegou a vender o carro, também motivado pela viagem que fará este mês para o doutorado na Inglaterra. Desde então ela sai do Bairro da Velha, onde mora, até a FURB de bike. São cerca de 25 minutos, exatamente o mesmo tempo usado para percorrer o trajeto de carro, com a vantagem de não agredir o meio ambiente e promover o bem estar.
“Não existe absolutamente nada igual. Você se conecta com a vida, com as pessoas, com a cidade. Você passa a enxer- gar as pessoas, a ser mais tolerante. Não consigo mais imaginar minha vida sem a bike”, vibra.
Josiane também acha que a FURB poderia ampliar as ações em benefício do uso da bicicleta. “Eu acredito que a estrutura deve vir antes. Para vir da minha casa até aqui é uma aventura. A universidade tem a obrigação de ser modelo. Não é função da universidade criar vagas de estacionamento de carros. Mas ela poderia melhorar a infraestrutura para ciclistas”, acredita.
Em entrevista à Rádio Nereu Ramos em julho, o reitor João Natel desconversou sobre a possibilidade de privatização do estacionamento. Ele disse que está se pensando na implantação de medidas de controle de acesso, apenas com cancelas a fim de identificar se os espaços de estacionamento na FURB são suficientes ou não.
Por Magali Moser, jornalista — Texto e fotos
Vagas Estacionamento FURB
Campus
Servidores Alunos Total Veículos Motos Veículos Motos Veículos Motos
Campus1
260 0 380 250 640 250
Campus2
90 0 300 75 390 75
Campus3 28 0 180 20 208 20
Total Furb 378 0 860 345 1238 345
DIFERENÇAS: Ciclovia: É um espaço segregado para fluxo de bicicletas. Isso significa que há uma separação física isolando os ciclistas dos demais veículos. Ciclofaixa: É quando há apenas uma faixa pintada no chão, sem separação física de qualquer tipo (inclusive cones ou cavaletes). Pode haver “olhos de gato” ou no máximo os tachões do tipo “tartaruga”, como os que separam as faixas de ônibus. Espaço compartilhado: O tráfego de bicicletas pode ser compartilhado tanto com carros quanto com pedestres. Fonte: ONG Vá de Bike
“A privatização dos estacionamentos da FURB necessita considerar alguns pontos: Em se tratando de segurança, a FURB é, conforme jurisprudências que consultei na internet, responsável pelos veículos estacionados em suas dependências, independentemente se são de propriedade de alunos, professores, servidores ou de qualquer outra pessoa que resolva estacionar na FURB, e independentemente se há ou não segurança e cancelas. Portanto, a privatização do estacionamento retira da administração superior a responsabilidade pela segurança e a transfere a terceiros, significando que todos pagarão por o que já lhes é de direito. Por outro lado, penso que a FURB deveria ser liberada da exigência de oferecer centenas de vagas de automóveis, em favor de grandes espaços de convivência e de socialização, abrindo-os à comunidade. Se se observar a implantação dos campi da FURB, veremos que um percentual bastante elevado é reservado para os estacionamentos. Essa liberação é possível com a devida altera- ção da legislação municipal que força toda e qualquer edificação a ter um número expressivo de vagas conforme a área construída. No atual contexto mundial, que busca alternativas aos automóveis, para a redução de emissões de CO2, e como já se fez com a legislação da cidade de São Paulo, dever-se-ia determinar o número máximo de vagas a serem oferecidas ou sua extinção. Em cidades europeias como Londres, há grandes edifícios que possuem pouquíssimas vagas para automóveis, como é o caso do The Shard, o edifício mais alto da Europa, com 87 andares, de au- toria do arquiteto Renzo Piano, que possui apenas 48 vagas e será ocupado por 12.000 pessoas (http://elpais.com/elpais/2013/01/21/ eps/1358772006_754807.html). Essa decisão de limitar as vagas está baseada na possibilidade de se poder chegar ao destino com a utilização de outros meios de transporte, tais como ônibus, bicicletas ou a pé. No caso londrino, há um eficiente sistema de transporte público, como ônibus e metrô. Já no caso blumenauense carecemos de um sistema de transporte público que possa minimamente ser considerado como tal, não há qualquer iniciativa pública concreta de se implementar um sistema eficiente de ciclovias e as calçadas impedem a livre circulação de pedestres, cadeirantes, deficientes visuais e mamães com carrinhos de bebês. Os dois casos são absurdamente antagônicos. Penso que se a administração superior da universidade implementar o sistema de estacionamento pago, terá que propor, antes, alternativas viáveis, como melhorias nas calçadas de seu entorno, com a devida acessibilidade, e a implantação de bicicletários em distintos pontos de cada campus, nos quais os possíveis futuros usuários de bicicletas possam guardá-las com segurança e protegidas contra intempéries, e que possam ir a seus destinos com a certeza de que, quando retornarem, encontrarão suas bicicletas intactas. Também é recomendável a instalação de vestiários em diferentes pontos dos campi para que os usuários possam fazer sua higienização após um percurso sob sol abrasador, já que nossas calçadas não dispõem de arborização urbana que pudessem minimizar os efeitos climáticos. Também penso que as manifestações contra a privatização dos estacionamentos ou sua extinção poderão acarretar movimentos no sentido de pressionar o poder público para que realize as melhorias urbanas que todos, há tempos, esperam e que denotam a total ausência na resolução dos problemas urbanos.”
João Francisco Noll Professor de Arquitetura da FURB